Num momento em que as autarquias assumem crescente protagonismo no turismo, impõe-se questionar se o país está a ganhar força coletiva ou a dispersar-se em iniciativas isoladas. Rita Marques — Presidente da Fundação Livraria Lello, Diretora do Tourism Futures Center da Porto Business School e ex-Secretária de Estado do Turismo — convida-nos a pensar este dilema num artigo de opinião que interpela decisores e profissionais do setor.
“Em tempos de eleições autárquicas, o turismo regressa inevitavelmente ao centro do debate político. Muitos municípios apresentam planos próprios para o setor, procurando afirmar-se no mapa dos destinos nacionais e internacionais. Este protagonismo revela maturidade, mas levanta uma questão essencial: estaremos a construir uma visão integrada ou apenas um mosaico fragmentado de iniciativas?
As taxas turísticas municipais, por exemplo, geram receitas importantes, mas nem sempre é clara a forma como são aplicadas. Em alguns casos financiam projetos culturais ou de reabilitação, noutros perdem-se na máquina orçamental municipal, sem ligação evidente ao setor. A qualificação segue a mesma lógica desigual: o programa Formação + Próxima, criado pelo Turismo de Portugal para capacitar os territórios, continua a registar adesão insuficiente, mesmo em destinos com grande expressão turística.
Apesar da proliferação de planos locais, o país continua sem uma estratégia nacional atualizada para o setor (a vigente é de 2017) que assegure coerência entre políticas municipais, regionais e nacionais. Acresce o facto de o Plano de Atividades 2025 do Turismo de Portugal reforçar o papel das regiões e da promoção da marca Portugal, mas quase nada dizer sobre os municípios, justamente quando estes ganham protagonismo na gestão de taxas, na promoção externa, no acesso a fundos europeus ou na regulação do Alojamento Local. Esta lacuna torna-se ainda mais evidente na promoção internacional, onde algumas autarquias avançam isoladamente, pagando ou até financiando com fundos comunitários presenças próprias em feiras ou campanhas, sem explorar sinergias com as Agências Regionais de Promoção Turística e com o próprio Turismo de Portugal. O resultado é dispersão de esforços e perda de escala.
Portugal conquistou relevância internacional porque, em momentos-chave, soube falar a uma só voz. Hoje, mais do que nunca, a autonomia municipal deve ser acompanhada de articulação estratégica, para que a diversidade territorial seja uma força e não uma fragilidade. Um coro afinado precisa-se.”
Rita Marques