Fernando Santos: turismo de cruzeiros está a recuperar, mas devagar

Fazer um cruzeiro é mais seguro do que ir ao talho, à mercearia ou ao centro comercial. É mais seguro do que sair à rua, assegurou Fernando Santos, director-geral da GlobalSea CruiseXperts, agência de viagens especialista na comercialização desta forma de fazer férias.

Em entrevista ao Opção Turismo, Fernando Santos traça a situação da indústria de cruzeiros neste momento, segmento que está a recuperar paulatinamente após quase dois anos de paragem total devido à pandemia da Covid-19, e que será tema de debate numa conferência que decorre esta semana no Porto, com a presença de vários players não só ligados às companhias, mas também aos portos.

Opção Turismo – Como é que podemos caracterizar neste momento o sector dos cruzeiros?

Fernando Santos – O turismo de cruzeiros sofreu um rombo grande tanto em Portugal como a nível internacional. A pandemia foi uma situação que nos levou a uma paragem completa. Não havia navios, não havia portos, não havia aeroportos e tudo ficou parado. Depois, já havia navios, mas não havia portos ou aeroportos, levando as companhias de cruzeiros a reagendar os itinerários.

Nos últimos meses algumas companhias fizerem, diria, um esforço colossal iniciando com um navio, outro navio, num destino, noutro destino. Depois eram os destinos que fechavam ou abriam e era necessário mudar tudo de última hora, embora estivessem a passar a mensagem de segurança e de cumprimento rigoroso dos protocolos sanitários.

Opção Turismo – O que têm feito as companhias?

Fernando Santos – Há um esforço grande das companhias em reactivar os cruzeiros com alguns navios, sobretudo na Europa, e principalmente no Mediterrâneo Oriental e Ocidental. Algumas companhias também estão a fazer cruzeiros nas ilhas britânicas, sobretudo para o mercado do Reino Unido e nas Canárias, que chegam em bolha directamente de países como a Inglaterra ou a Alemanha.

Por outro lado, há várias companhias, não muitas, diria quatro ou cinco a operar na região das Caraíbas, mas com algumas limitações isto porque a passagem de turistas nos Estados Unidos só era possível por razões humanitárias ou de saúde. Hoje em dia a situação já está resolvida e os portugueses, por exemplo, já podem entrar nos EUA. Ou seja, os Estados Unidos já abriram as fronteiras para a entrada de europeus, que podem alargar os seus horizontes e embarcar nos cruzeiros a partir dos EUA para as Caraíbas.

Mercado português já está a reservar

Opção Turismo – E em Portugal, o mercado de cruzeiros recomeçou?

Fernando Santos – Fruto de algumas companhias que fazem um esforço em manter a operação, embora de forma tímida e com limitações de ocupação dos seus próprios navios, bem como com a bolha que fazem ao nível das excursões, de qualquer das formas, a recuperação está a acontecer de forma paulatinamente e a haver um regresso progressivo. Claro, não há neste momento 20 ou 30 navios a fazer o Mediterrâneo no Verão, mas há alguns, embora longe daquele boom que conhecíamos em 2019. 

Para já vamos ter em Lisboa, neste mês de Setembro, na temporada de final de Verão, a operação de algumas companhias que saem de Lisboa ou que passam pela capital portuguesa, numa operação que durará até Outubro. Já houve aliás uma companhia que embarcou passageiros em Lisboa no último fim-de-semana.

Opção Turismo – E reservas, como estão a correr?

Fernando Santos – As reservas estão a começar a surgir. O que há é muito o last minute. As pessoas estão a ver a reabertura e querem fazer o cruzeiro, mas estão a reservar com muito pouca antecedência. É o que nos tem acontecido e temos de tratar de toda a documentação e todos os processos em poucos dias, em tempo recorde. Mas também já estamos a reservar para meados de 2022 e até para 2023.

Opção Turismo – Acha que os portugueses entenderam a mensagem passada pelas companhias de que é seguro fazer um cruzeiro e que os protocolos sanitários transmitiam segurança? Tem essa sensação do mercado? Ou seja, fazer um cruzeiro é seguro?

Fernando Santos – Temos clientes que acabaram de regressar e são eles próprios que dizem que os protocolos sanitários que estão instituídos nos navios lhes dão segurança e são controlados. Eu próprio fiz um cruzeiro há pouco mais de um mês e tive a oportunidade de testar, ver e avaliar com olhos de profissional, mas também de turista.

Fazer um cruzeiro é mais seguro do que ir ao talho, à mercearia ou ao centro comercial. Quem faz um cruzeiro sente-se seguro e vem seguro, não só por fazer testes várias vezes no navio ou já estar vacinado, ou porque faz excursões com um green pass em bolha ou não. Os procedimentos de segurança estão muito bem definidos e muito bem protocolados quer ao nível da restauração, da relação entre pessoas a bordo, quer ao nível da relação tripulante/passageiro, quer entrada ou saída a bordo. Diria que fazer um cruzeiro hoje é mais seguro do que sair à rua ou estar num centro comercial, e as pessoas têm consciência disso.

Opção Turismo – Está esperançado com a retoma? Dizia-se que era um dos segmentos de turismo que demoraria mais tempo a recuperar. Esta era aliás estimativa da APAVT. Trabalhando directamente e todos os dias com este segmento, qual é a sua opinião?

Fernando Santos – Todos nós temos a consciência que os cruzeiros e o MI são provavelmente os dois sub-sectores da área do turismo cuja retoma demorará mais. Diria que no caso dos cruzeiros ainda mais porque necessitamos da aviação na maior parte dos casos. A aviação tem que ter horários compatíveis com entradas e saídas a bordo como tínhamos há uns anos atrás em que sabíamos que quando chegávamos a Barcelona, a Copenhaga, a Kiel, a Veneza ou a Miami os voos estavam adequados às entradas a bordo e no regresso. Agora verificamos que em muitos casos, a aviação não está ainda tão adaptada aos horários que tínhamos no passado. Ou seja ainda encontramos alguma dificuldade em colocar os nossos clientes. Por isso, além dos cruzeiros que saiam de Lisboa, se não tivermos avião não vamos para cruzeiro. Isto obriga por exemplo ao cliente ir um dia mais cedo e regressar um dia mais tarde, com a natural implicação ao nível dos custos.

Turismo de cruzeiros é tema de análise

Opção Turismo – Esta vontade de retoma do sector vai ser tema de um encontro esta semana no Porto. É esta mensagem que os ‘gurus’ dos cruzeiros a nível internacional, que vão estar presentes, pretendem passar?

Fernando Santos – É. O ano passado tivemos esta conferência essencialmente com portugueses quer de companhias de cruzeiros, quer dos portos, quer dos vários players do turismo mundial numa acção via online e presencial no Hotel Crowne Plaza. Este ano a ideia foi convidar pessoas com responsabilidades a nível europeu e internacional como a CLIA Europa, vários vice-presidentes das principais companhias de cruzeiros, bem como um representante da administração da Associação Portuária de Lisboa, que irá transmitir o seu conhecimento sobre os protocolos e o que está a acontecer, até porque já começaram os primeiros embarques em Lisboa e, portanto, é importante ter a sua perspectiva.

A possibilidade de termos a CLIA a nível europeu, vários vice-presidentes das companhias de cruzeiros de topo, é importante saber o que têm para dizer e transmitirem as suas ideias sobre este renascimento quer ao nível da operação, comercial, quer seja ao nível dos vários procedimentos e medidas que os próprios portos terão acordado quer com as autoridades de saúde, quer com as administrações dos portos locais, quer com as companhias de cruzeiros.

Esta conferência dirige-se essencialmente a um público conhecedor dos portos mas também do turismo. Vai-se discutir ao nível profissional e não promocional. O objectivo é analisar a própria essência do renascimento do segmento dos cruzeiros, de um renascimento tímido para um renascimento forte, elaborado e construtivo, para que no futuro possamos ter bons resultados e as pessoas ganhem confiança. Este ressurgimento tem que partir dos portos, das companhias, das entidades de saúde, ou seja de todos os payers.

Opção Turismo – Até porque era um sector que estava a crescer até à chegada da pandemia, a níveis extraordinários, mais do que qualquer outro segmento do turismo…

Fernando Santos – No turismo de cruzeiros há uma grande fidelização de clientes. Se fazem um itinerário, amanhã querem fazer outro, se fazem numa companhia, ou se mantêm, ou provavelmente poderão escolher outra. É um tipo de segmento em que há um enorme passa palavra. As pessoas quando gostam, partilham as suas experiências e as suas realidades.

Estava a haver um crescimento muito grande em todo o mundo e também em Portugal, com saídas de navios do nosso país. O crescimento deveu-se à renovação bastante acentuada das frotas, criando grande atractividade por parte da oferta. Hoje em dia conseguimos ter cada vez mais e diferentes experiências que as pessoas gostam de valorizar. Mas também, para quem gosta de navios mais pequenos, a oferta existe. Não estamos a falar só de navios de grandes dimensões que são autênticos resorts, mas também o mercado oferece navios mais pequenos, mais intimistas, com outro tipo de oferta e para destinos mais exóticos e mais peculiares. Há nestes casos quem escolha mais o navio que os próprios destinos.

Portugueses continuam a preferir o Mediterrâneo

Opção Turismo – A preferência dos portugueses vai mudar no que aos destinos diz respeito? Antes da pandemia era o Mediterrâneo. Vai se manter?

Fernando Santos – O principal destino dos portugueses é, naturalmente, o Mediterrâneo, pela proximidade, pela questão do preço, mas também, neste momento, pela oferta. Diria que o mercado do Mediterrâneo é e será nos próximos anos o destino de eleição dos portugueses. No entanto, devemos acrescentar o Norte da Europa no início e final do Verão e estou a falar sobretudo do Báltico e dos Fiordes, mas há mercados que nos últimos anos estavam a ser muito interessantes, designadamente o Dubai, Omã e este ano a Arábia Saudita que é uma novidade.

Há uma pré-disposição de quem fez o Mediterrâneo e o Norte da Europa de agora alargar para fazer o Dubai e este ano com outra atractividade que é a Expo Dubai. Depois, claro, existem as Caraíbas, o primeiro destino mundial de turismo de cruzeiros com saídas de Miami, Fort Lauderdale ou de Tampa. Mas também não podemos esquecer outros mercados como o do Alasca. Há outras áreas do globo muito interessantes como a América do Sul, com o Chile e a Patagónia, que são novas direcções para onde os portugueses estão a começar a ir e, enquanto GlobalSea temos programas para essas áreas, como o Japão, a Austrália, destinos mais longínquos. Igualmente, os portugueses estão a aderir cada vez mais, e estamos a senti-lo, porque temos várias reservas para os cruzeiros à volta do mundo, em 119/120 dias.

Preço desce e promoções aumentam

Opção Turismo – Os navios oferecem cada vez maior capacidade cinco/seis mil passageiros, mas hoje em dia não podem transportar esse número. Por esta ordem de ideias as companhias aumentaram os preços com a retoma?

Fernando Santos – Há um grande esforço para a retoma do turismo de cruzeiros, e esse esforço passa não só pelas companhias como pelas agências de viagens. Assim, ao baixar o preço permite que mais pessoas possam ter acesso. Claro que as companhias estão a sofrer com isso. As companhias de cruzeiros estão a fazer ou dois por um, ou 30% de desconto, ou promoções nas excursões, nas bebidas, na internet, créditos para consumir a bordo, enfim, a criar packages mais atractivos para que as pessoas continuem a fazer cruzeiros. No fundo é um estímulo que estão a dar para que as pessoas voltem a fazer cruzeiros.

Claro que com isso sofre a companhia que teve muitas perdas durante praticamente dois anos, ou seja, para reactivar o fluxo está a pagar para que haja reactivação do mercado. Com isso, também a própria distribuição está a sofrer com isso. Isto é, as agências de viagens que têm o seu rendimento a partir de uma percentagem que é distribuída para poder render fruto do trabalho que está a ter, essa comissão também é diferente. Portanto as agências de viagens também estão a sofrer bastante com isso. Ou seja, toda a fileira do turismo que está ligada ao sector dos cruzeiros está a ter proveitos mais baixos. Mas acredito que vai melhorar, e diria que em final de 2022, e 2023, já estaremos em velocidade de cruzeiro, até porque as pessoas já estão vacinadas. Portanto, admito que este sector vá crescer em 2022, e em 2023 já estará aos níveis de 2019 ou até mesmo superiores. A questão é como salvaguardar as margens que se perderam em 2020 e 2021. Essa é a grande questão com que se debatem as empresas que estão neste negócio, e como é que vão sobreviver até lá.

Carolina Morgado