Em 2017, a Beijing Capital Airlines, então uma parte importante do Grupo Hainan, iniciou ligações diretas de Pequim para Lisboa, dando início à visão de que o turismo chinês em Portugal estava pronto para crescer de forma significativa. Nos anos seguintes, até à chegada da Covid-19, os turistas vindos da China aumentaram exponencialmente e, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, Portugal recebia mais de 350.000 visitantes chineses.
À medida que os números cresciam, também aumentava a convicção de que Portugal estava preparado para receber visitantes chineses. Os hotéis na capital começaram a treinar as equipas para interagir com esses clientes e a incluir no inventário do quarto itens incomuns, como chinelos e chaleiras para água quente.
No final de 2019, a China tinha-se tornado o maior mercado em viagens internacionais, com mais de 150 milhões de viagens de saída. Este valor representava um crescimento de 18% face a 2018. No entanto, dos 150 milhões de viagens, 70 milhões tinham como destino Macau, Hong Kong e Taiwan, o que significa que aproximadamente 80 milhões de viagens eram realmente para fora da China e dos seus territórios. Em comparação, a Alemanha, líder no mundo ocidental, registava cerca de 70 milhões de viagens de saída.
A maioria dessas viagens era direcionada para o Sudeste Asiático (especialmente a Tailândia) e o Nordeste Asiático (Japão e Coreia). Embora a Europa registasse um crescimento considerável, nenhum país europeu figurava entre os 15 principais destinos visitados pelos chineses. Diante disso, ficou claro que a Europa queria fazer parte desta onda de viajantes chineses, com governos, aeroportos, companhias aéreas e operadores turísticos a negociar intensamente, e Portugal era um desses países com uma visão clara de que a China era uma prioridade.
Do ponto de vista das ligações aéreas, o período de 2018 e 2019 assistiu a um aumento dramático no número de novas rotas, com até 34 companhias aéreas chinesas a realizar voos internacionais e quase 150 novas rotas abertas num período de dois anos. No caso de Portugal, começámos com a ligação Pequim-Lisboa, mas, durante esses anos de expansão, as transportadoras também experimentaram ligações diretas a partir de Xi’an, mostrando que não era apenas a capital chinesa que estava em alta no turismo.
A China estava bem organizada, com a criação de quatro principais gateways no país e três companhias aéreas estatais a gerir essas conexões. Os centros eram Pequim, Xangai, Cantão (Guangzhou) e Chengdu, cada um com um papel específico. Pequim, a capital política, era o lar da Air China; Xangai, focada na modernidade e sede da China Eastern, que, ao contrário da Air China que se aliou à Oneworld, decidiu juntar-se à SkyTeam da Air France-Delta, oferecendo opções variadas aos viajantes. A oeste, Chengdu tornou-se um novo foco de desenvolvimento com a sua imagem de cidade amiga dos pandas e um novo aeroporto a impulsionar as ligações globais. No Sul, a cidade comercial de Cantão foi designada para apoiar o comércio, com a China Southern Airlines a facilitar o transporte de mercadorias. Com tudo isto, o palco estava montado para que os cidadãos chineses fossem explorar o mundo.
Para mostrar que o setor privado também tinha lugar na aviação, o Grupo Hainan, com sede na ilha de Hainan, trouxe uma série de companhias aéreas, incluindo a Hainan Airlines e a Beijing Capital, esta última servindo Portugal com uma visão mais voltada para o turismo. O Hainan desenvolveu também a Hong Kong Express, um modelo de baixo custo, mostrando que um grupo pode gerir serviços completos, híbridos e low-cost ao mesmo tempo.
Em 2020, o cenário mudou abruptamente. A Covid-19 fechou as portas da China e, tal como no resto do mundo, o turismo foi interrompido. Enquanto Europa e EUA recuperaram em 2022 e 2023, os turistas chineses continuaram restritos ao mercado interno, com a ilha de Hainan a tornar-se o novo destino para casais e famílias em busca de férias.
Em 2024, o cenário voltou a mudar. Com as fronteiras reabertas, as principais transportadoras chinesas, como a Air China e a Hainan Airlines, trouxeram de volta a sua frota de longo curso, enquanto o governo chinês facilitou a concessão de vistos. Este regresso à normalidade, porém, não é uma realidade para as companhias aéreas internacionais, especialmente as europeias, que agora enfrentam o desafio de evitar o espaço aéreo russo, aumentando o tempo de voo e os custos. Enquanto isso, as companhias aéreas chinesas não têm essa restrição e podem operar como antes de 2019, dominando o mercado.
No final do verão de 2024, as transportadoras chinesas detinham uma quota de mercado de 75% nos voos entre a China e a Europa, um aumento significativo em relação aos 50% pré-pandemia. Isto demonstra que a China vê esta como uma oportunidade para fortalecer as suas redes e ligações, incluindo com Lisboa. A Beijing Capital, que anteriormente tinha voos semanais de Pequim e Xi’an, agora aposta numa estratégia com quatro voos semanais para o verão de 2024.
Assim, quais são as implicações para Portugal? A capital Lisboa já não tem uma ligação direta constante com Pequim, e é a Air China quem pode liderar este processo. Convencer a transportadora de que Lisboa tem potencial para além de Portugal pode fazer toda a diferença. Além disso, as ligações para a América Latina, especialmente Brasil, ainda são uma ponte importante.
Para Portugal, a chave é estar presente nas negociações com as transportadoras chinesas, seja para mostrar o que estávamos a fazer em 2019, que nos trouxe um crescimento significativo, ou para posicionar Lisboa como uma alternativa estratégica a Madrid, permitindo a ligação da China à América Latina.