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Sonhando aumenta faturação, mas lucro afetado pela concorrência espanhola

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José Manuel Antunes, diretor-geral da Sonhando, revela que a operadora prevê um aumento de 11,6% na faturação e 8,3% no número de passageiros movimentados em 2024, com a maior parte dos programas de réveillon já vendidos. No entanto, a forte concorrência de operadores espanhóis, com preços incompreensíveis, está a penalizar os resultados da empresa, que prevê uma queda acentuada nos lucros comparativamente a 2023. A aposta em novos destinos como as Maldivas foi positiva, mas a operação para Zanzibar poderá ser descontinuada devido à forte concorrência.

Opção Turismo – Como compara o volume de reservas e faturação deste ano, até agora, com o ano passado? E quais as expetativas para o fecho do ano?

José Manuel Antunes – Nesta data, a Sonhando já tem grande parte dos programas de réveillon vendidos. Cerca de 80% dos lugares que temos, nos oito charters em que participamos, estão vendidos. Portanto, já temos uma visão do que vai ser a faturação deste ano. Teremos um aumento de 11,6% na faturação e de 8,3% no número de passageiros movimentados. No entanto, do ponto de vista daquilo que é mais importante numa empresa, que é do benefício final, este ano é bem pior do que 2023.

OT – Porquê?

JMA – Pela existência de uma concorrência muito feroz, sobretudo dos operadores que têm sede em Espanha, que fazem preços mágicos que nós não conseguimos entender e que, por vezes, somos obrigados a acompanhar; É aquela velha máxima – vão-se os anéis, mas ficam os dedos. Quando se tem a responsabilidade de ter charters com lugares pré-pagos, etc., etc., por vezes é melhor perder pouco do que perder tudo. E isso tem reflexo, obviamente, no resultado da operação.

“A Sonhando, no ano passado, deu cerca de 983 mil euros de lucro, pagou impostos sobre isso, e tudo está registado nas Finanças.”

OT – Será uma quebra de quanto?

JMA – Ainda não tenho o valor apurado, mas posso dizer que vai ser uma quebra muito grande. A Sonhando, no ano passado, deu cerca de 983 mil euros de lucro, pagou impostos sobre isso, e tudo está registado nas Finanças. Portanto, este ano, será bem menos.

OT – Qual foi a aceitação das novidades lançadas este ano e com preços mais elevados comparativamente com outros programas?

JMA – Foi boa! Se era o esperado? Para ser sincero, sobre as Maldivas, tem corrido mesmo muito bem, até porque a Sonhando tem o exclusivo de um excelente resort, o Ecoboo Maldivas. Tanto mais agora que Fernando Bandrés, o até então nosso diretor comercial, vai agora ser o diretor comercial Ecoboo.

Nas outras novidades, tinha a esperança que se vendesse um bocadinho mais. Todavia, embora não muito que tenhamos vendido, é sempre mais porque não tínhamos aqueles produtos.

Posso dizer que essas novidades de programação devem representar 6 a 7% da faturação global da empresa.

Os outros destinos que mais se venderam foram a Tunísia, Porto Santo, Madeira… São Tomé também cresceu. Não somos líderes em São Tomé e Príncipe, mas somos um dos três grandes produtores de Portugal.

OT – Houve ou não aumento no preço médio das viagens, em 2024?

JMA – Não aumentou muito, mas aumentou. Nomeadamente porque os aviões passaram a ser mais caros e os hotéis também aumentaram uns três ou quatro euros por noite. E o mesmo em Djerba que estamos a vender mais agora. E tudo isso se reflete no preço. No entanto, com tanta oferta, acredito que existam ofertas com preços inferiores aos do ano passado.

OT – Quando fala em mais ofertas, significa o quê?

JMA – Refiro-me a todas as ofertas que lançamos para o mercado, que foram mais de 100 ofertas este ano, incluindo os nossos destinos de risco, em Zanzibar, no próprio Porto Santo, de Lisboa.

A história do Porto Santo desde Lisboa é relevante porque a Sonhando tinha um ‘slot’ histórico. Há 11 anos que fazíamos o destino a partir de Lisboa, às segundas-feiras. Durante três anos fizemos esses voos com a SATA mas, em 2024, a SATA decidiu ficar com o ‘slot’ e fazer os voos.

Pior que tudo, foi que ficámos sem o ‘slot’ e a possibilidade de fazer o voo desde Lisboa. Nós e o nosso parceiro que estava também nesse negócio. A Solférias, em concreto.

A solução foi procurar alternativas com a TAP e com a easyJet. São soluções mais caras do que o charter, onde se consegue reduzir o preço, aumentando o risco, mas o público não aderiu muito.

“A exceção vai ser Zanzibar. Possivelmente vamos descontinuar a operação”

OT – No ano passado, recordo a nossa conversa, a Sonhando estava com um crescimento significativo relativamente a 2019, mas referiste que seria difícil crescer muito mais nesse ano por não teres produto, até por razões de ‘slots’. Como é que está essa situação?

JMA – Para o próximo ano, é ainda difícil adivinhar. Mas penso que a operação vai ser muito semelhante à deste ano, quer em número de voos, quer em número de lugares. A exceção vai ser Zanzibar. Possivelmente vamos descontinuar a operação, uma vez que tivemos resultados nada agradáveis.

A situação de Zanzibar é um bocado surpreendente. Em 2023 a operação correu mais ou menos bem. Para este ano, o segundo, achávamos que as pessoas que foram a Zanzibar seriam as próprias propagandistas do destino, porque aquilo é, de facto, um excelente destino. Todavia, um operador espanhol começou a fazer voos a partir de Madrid, oferecendo as viagens desde o Porto e Lisboa para Madrid. Isso fazia com que os pacotes ficassem cerca de 300 euros mais baratos do que os nossos. Logicamente, não tínhamos hipótese de ter aquele valor, senão perdíamos dinheiro.

Mas esta concorrência com os operadores espanhóis não é só nesse destino. Por exemplo Punta Cana em tudo incluído a 700 euros, como aconteceu no mercado. Tal como Cancún a 850 euros e Cuba a 800 e poucos.

OT – Falaste em Cuba. A Sonhando desistiu de Cuba ou está à espera de melhores tempos para uma operação para Cuba?

JMA – Em termos de charters, não vale a pena concorrer com os nossos parceiros espanhóis. Existem, neste momento, quatro voos para Cuba: dois para Varadero, um para Santa Maria e outro Cayo Coco. Destinos que a Sonhando abriu, aliás, eu pessoalmente, o Varadero há muitos anos, quando estava no Clube Vip e o Cayo Coco já aqui na Sonhando.

“Achamos que eles (Operadores espanhóis) têm a capacidade de perder muito dinheiro, mas nós não temos.”

OT – O que é que acontece?

JMA – Acontece que os nossos companheiros espanhóis conseguem vender o pacote todo mais barato que o preço do avião. Portanto, não vale a pena andar a fazer figuras tristes no mercado. Achamos que eles têm a capacidade de perder muito dinheiro, mas nós não temos.

No entanto, continuamos a vender Cuba, vendemos pacotes com a Air Europa, sobretudo fora da época dos charters, pois temos preços similares aos que existem no mercado.

Gostava de dizer que comecei a programar Cuba, pela primeira vez em charter em 1995. Portanto, faz 30 anos para o ano que vem!

OT – E quanto a Timor? Porque pararam?

JMA – Timor teve que ver com a pandemia e com a necessidade de haver transporte. Ficaram isolados do mundo e nós do mercado porque não havia turismo. Então lembrei-me de fazer uma operação porque tínhamos o único avião que há do mundo que podia voar para lá.

E, de facto, aquilo foi um sucesso. Vendíamos nos Estados Unidos, no Canadá, Brasil, Chile… Para todo o mundo. Até na Coreia! A comunidade timorense ia falando uns com os outros, diziam que há um voo de Lisboa… e fizeram-se vários com sucesso.

OT – Então o que correu mal para pararem a operação?

JMA – Sempre tivemos uma boa relação com as autoridades timorenses, mas, a certa altura, começaram a pôr mais impostos e a criar dificuldades. Penso que por questões de política interna. No entanto, como não têm capacidade de fazer voos para Portugal, passaram a fazer para a Indonésia e a captar as pessoas que não têm outra hipótese para lá chegar.

Por outro lado, também houve alguma indisponibilidade de frota da euroAtlantic airways, em voos que tínhamos previamente programado e que tivemos de alterar, ou não realizar. E isso também deixou uma marca. O certo é que Timor, sendo uma operação pontual, ajudou muito e foi essencial na pandemia.

A Sonhando foi o único operador em Portugal, na Península Ibérica, penso mesmo até que na Europa e no mundo, que deu lucro nos dois anos da pandemia. Para além de Timor, com 13 operações, fomos quatro ou cinco vezes para a Guiné e duas vezes para Angola. Foram dois anos fundamentais para os resultados positivos que a empresa teve.

OT – Um dos destinos-chave da Sonhando é a Tunísia. Foi a grande aposta?

JMA – Sim. Recorde-se que fui eu, em 1992, que lancei a Tunísia. Com charters para Túnis com a Portugália. O avião tinha 100 lugares e nós tínhamos lá dois autocarros para fazer o circuito. Não se vendia praia, era o circuito da Tunísia.

Depois de ter estado quatro anos no Brasil, voltei a Portugal e para a Sonhando verifiquei que tinham abandonado três destinos: Cuba, Tunísia e Porto Santo, os três destinos que nós lançámos logo em 2014.

Assim, recuperamos Cuba com Cayo Coco, que era uma surpresa. Depois a Tunísia, na altura os únicos a oferecer e com 16 lugares no avião. A Tunísia tem vindo a crescer e este ano participamos em seis charters semanais para o destino.

Para a Tunísia temos quatro do Porto e dois de Lisboa, apenas por causa dos ‘slots’ pois ainda tínhamos capacidade para mais um.

OT – Relativamente ao ano que vem, acha que vai continuar a manter-se este ritmo de portugueses a quererem viajar?

JMA – A minha dúvida é se as condições económicas vão ser ou não fáceis. Acho que a maior dificuldade que as pessoas tiveram talvez já tenha passado. Nomeadamente, pelo facto de os juros terem baixado aliviando as pessoas que estavam a pagar a casa. Também se registaram aumentos de ordenados em vários setores de atividade. Penso que, por aí, isso já passou, não pelas governações portuguesas, mas pelas medidas tomadas pelo Banco Central em relação aos juros que, de facto, afetam a economia.

OT – Por fim, vamos falar da Inteligência Artificial. Já estão a utilizar a Inteligência Artificial na vossa programação?

JMA – Sim. 90% das nossas vendas são feitas sem intervenção humana. A única intervenção que nós temos é enviar as listas dos passageiros e clientes para os aviões e hotéis. Quanto às reservas, só para dar um exemplo, nós estamos fechados aos sábados e aos domingos e todos os sábados e todos os domingos nós vendemos bastante. Por exemplo, este ano, num dos sábados, vendemos mais de 100 mil euros. Sem intervenção de ninguém. Temos apenas uma pessoa a trabalhar sempre ao sábado e ao domingo, 24/24 horas, sobretudo por causa do nosso maior cliente, que se chama euroAtlantic. Somos nós que tratamos de todas as viagens da euroAtlantic, das tripulações aos sábados, aos domingos, etc.

OT – Algo mais que seja importante dizer ou relembrar?

JMA – Sim, reforçar o que até já abordamos há pouco. A coisa mais negra que turismo português tem é o aeroporto de Lisboa. Já disse isto várias vezes e até ao Opção Turismo. É uma vergonha! E a indecisão continua. Já não é um problema, é uma vergonha. Sou muitas vezes abordado por estrangeiros, que dizem que não sabem onde é ou vai ser o aeroporto. “Mas o aeroporto não devia já ter mudado há 20 anos?” E ainda não decidiram?

Sinceramente, eu, como gestor, não consigo perceber que não se tenha tomado ainda essa decisão. Tal como o comboio de alta velocidade…

Sem esquecer o caso dos ‘slots’ no aeroporto de Lisboa que condicionam tudo. E também não quero estar a fazer aqui grandes críticas, mas a forma como são atribuídos e distribuídos, é discutível. Eu não quero dizer que seja má, mas é discutível. Mas não estou a dizer que o critério não tenha rigor. Eu acho, de qualquer forma, que é discutível em muitas coisas, mas é um critério que prejudica os operadores no lançamento de novos destinos. Assim, é uma coisa quase impossível. É quase impossível fazer um novo destino a partir de Lisboa…