Tarifas e Viagens: Ponto de Situação…
No geral, as tarifas alfandegárias não afetam diretamente o setor das viagens, mas se o crescimento económico abrandar e os mercados financeiros caírem, o impacto acabará por se fazer sentir. Esta é a principal conclusão recentemente destacada pela Skift, o site global de informação sobre turismo e viagens. Assim, à medida que os mercados colapsavam no final da semana passada, após o Presidente Donald Trump anunciar um vasto conjunto de tarifas que afetam produtos de uma longa lista de países e uma variedade de bens, o setor do turismo prepara-se para o que aí vem.
Para a indústria das viagens, o impacto é indireto, uma vez que as tarifas incidem sobre produtos importados como automóveis, máquinas de lavar roupa ou até champanhe, e não são aplicadas diretamente a bilhetes de avião, estadias em hotéis ou excursões. No entanto, os efeitos secundários podem ser significativos: as tarifas tendem a provocar aumentos de preços, tornando os Estados Unidos um destino ainda mais caro para os visitantes. Além disso, há o efeito negativo na perceção – estarão os turistas tão interessados em visitar um país que está em guerra comercial com o seu país de origem? É um facto que a capacidade aérea entre o Canadá e destinos como a Florida ou o Arizona diminuiu significativamente para o verão de 2025, com os canadianos a optarem por outros destinos – nomeadamente o México e as Caraíbas.
Observando o setor, especialmente hotéis e companhias aéreas, o impacto poderá ser o seguinte: os hoteleiros enfrentam dois tipos principais de custos adicionais – construção de novas unidades e aquisição de mobiliário, equipamentos e acessórios. Tarifas sobre materiais de construção como o aço poderão, com o tempo, elevar os custos e atrasar projetos. No caso das companhias aéreas, as tarifas já começaram a afetar o tráfego entre os EUA e o Canadá, com reduções expressivas na oferta de lugares para os canadianos que desejam visitar os destinos de férias norte-americanos. Já os fabricantes de aviões têm uma perspetiva distinta: a Boeing, por exemplo, não prevê grandes impactos imediatos, pois tem uma carteira de encomendas muito significativa, o que permite alguma proteção a curto prazo. Ainda assim, o aumento das tarifas pode afetar a disponibilidade de peças.
Com a Airbus, o cenário é diferente. A fabricante europeia poderá dar prioridade às entregas fora dos Estados Unidos, especialmente tendo em conta a forte procura de outros mercados. Se enfrentar dificuldades na entrega aos EUA, poderá reajustar prioridades e antecipar entregas para clientes não norte-americanos, muitos deles ansiosos por receber os seus aviões. E, segundo declarações ao site Skift, o CEO da Ryanair, Michael O’Leary, alertou para o grau de incerteza: “Há muitas consequências não intencionais nas medidas de Trump. Honestamente, não sabemos ainda se o resultado será positivo ou negativo – teremos de esperar para ver”. A companhia irlandesa é um dos maiores clientes da Boeing, com centenas de aeronaves encomendadas.
Estado da Situação: O Ambiente nos EUA…
As tarifas são um aspeto, mas a retórica acesa em torno de guerras comerciais pode desencadear um aumento de sentimentos nacionalistas e diminuir a predisposição para viajar para os Estados Unidos. Tal sentimento já se reflete, por exemplo, na redução da capacidade aérea entre o Canadá e os EUA no verão. A Porter Airlines, terceira maior transportadora aérea canadiana, indicou à Skift que suspendeu toda a promoção de destinos nos EUA, pois considera que os consumidores canadianos demonstraram claramente que não querem ver as companhias a promover viagens para os Estados Unidos. Também na Europa se nota o mesmo clima: o CEO da Accor, Sébastien Bazin, referiu a existência de um “mau ambiente” em torno das viagens para os EUA, revelando uma quebra de 25% nas reservas de verão de europeus para as suas unidades hoteleiras norte-americanas.
O Panorama do Turismo nos EUA: O que está a acontecer…
Os índices de confiança dos consumidores caíram acentuadamente, mas o impacto nos gastos em viagens é desigual. Uma sondagem da Skift revelou que, apesar das perspetivas “sombrias”, as famílias preveem aumentar os seus gastos em viagens. Contudo, dados do Bank of America indicam que os gastos em alojamento e serviços turísticos estão cerca de 2,5% abaixo dos níveis do ano anterior, e os gastos em voos diminuíram cerca de 6%.
Nos EUA, os 9% de famílias com rendimentos mais elevados representam 30% do total de gastos em viagens, e os 15% mais abastados somam 40%. Ou seja, existe um “efeito riqueza”: quando os mercados sobem e o valor das propriedades aumenta, o património líquido das famílias também cresce, o que incentiva ao consumo – incluindo viagens. No entanto, com a subida das tarifas e o impacto negativo nos mercados, poderá verificar-se uma desvalorização dos ativos e uma retração no consumo, especialmente entre os viajantes de luxo.
Mesmo antes do anúncio do autodenominado de “Dia da Libertação” por Donald Trump, as ações das três maiores companhias aéreas dos EUA já tinham sofrido fortes quedas no primeiro trimestre de 2025. Analistas alertaram que os consumidores vão dispor de menos dinheiro e os preços dos voos deverão subir. O banco de investimento Morgan Stanley indicou que a taxa efetiva das tarifas é cerca do dobro do que esperavam, pelo que é inevitável um aumento de preços nos EUA. Este choque no poder de compra poderá reduzir o crescimento do rendimento pessoal disponível durante os períodos chave de verão (segundo e terceiro trimestres), afetando as decisões de última hora relacionadas com férias – que, como sabemos, não são uma necessidade básica e são facilmente adiadas.
As ações da Delta Air Lines e da United Airlines caíram mais de um terço desde o início do ano, e as da American Airlines desvalorizaram 45%. Embora parte destas quedas esteja relacionada com atrasos significativos na entrega de aviões e substituição de motores – cuja chegada permitiria reduzir custos operacionais – o novo contexto tarifário apenas agravou o pessimismo dos investidores no setor da aviação. A incerteza macroeconómica generalizada nunca é boa para os negócios e, para as companhias aéreas, o pior cenário é quando as pessoas deixam de querer voar por causa da situação económica.
EUA e Portugal: Chegadas dos norte-americanos superam largamente partidas dos portugueses…
Nos últimos anos, o número de hóspedes norte-americanos em Portugal tem crescido exponencialmente. Em 2024, o total de hóspedes dos EUA atingiu os 2,2 milhões, o que representa um aumento de 12% face a 2023. Isto faz dos Estados Unidos o 3.º maior mercado turístico de Portugal, atrás apenas do Reino Unido e de Espanha – cujos crescimentos foram mais modestos: 4% e 1%, respetivamente. Os EUA estão agora apenas 170 mil hóspedes abaixo do Reino Unido.
Por outro lado, segundo a OMT, em 2024 Portugal registou cerca de 3 milhões de viajantes internacionais (em saída). Espanha, Reino Unido, Alemanha e França foram os quatro destinos mais visitados, com os Estados Unidos a ocupar o 5.º lugar, com cerca de 150 mil chegadas de portugueses. Assim, mesmo que surjam perceções negativas sobre viajar para os EUA, é improvável que isso afete significativamente a saída de turistas portugueses. O verdadeiro desafio está do outro lado: garantir que os visitantes norte-americanos continuam a sentir-se bem-vindos e que um eventual abrandamento económico nos EUA não se traduza numa quebra acentuada de visitantes para Portugal.
E, olhando para as companhias aéreas, há muito entusiasmo com a chegada da United Airlines aos aeroportos de Faro e da Madeira no verão de 2025, com voos desde Newark, bem como com os novos voos da TAP entre Los Angeles e Lisboa, e entre Boston e o Porto.
Esperemos que as tarifas sejam retiradas tão rapidamente quanto foram impostas e possamos voltar a focar-nos nos nossos principais desafios: garantir o crescimento sustentável da aviação e assegurar uma boa gestão dos nossos destinos, com a sustentabilidade como prioridade.